GERAL
11/02/2024 às 13:33 por Redação


RS tem 280 espécies ameaçadas de extinção

RS tem 280 espécies ameaçadas de extinção
Foto: GramadoZoo / Divulgação | Reprodução/Grupo Sepé

Com a expansão do desenvolvimento e dos centros urbanos, os limites entre a natureza e a selva de pedra tornam-se borrados. Por vezes, animais silvestres são vistos vagando por cidades e propriedades rurais, em busca de um espaço que lhes foi tomado. Em muitas ocasiões, contudo, acabam morrendo. Ainda que sejam naturais das regiões gaúchas, tamanduás, veados e até mesmo onças estão cada vez mais escassos. Mesmo na natureza, o encontro com alguns bichos vira um acontecimento – o tuco-tuco das dunas, avistado na praia, é um exemplo disso. 

Esses e outros animais estão entre as 280 espécies em algum grau de ameaça de extinção no Rio Grande do Sul, de acordo com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema). A lista, no entanto, não é atualizada há 10 anos – e, de acordo com especialistas, a ação humana vem, cada vez mais, degradando a situação dos animais. Espécies tornam-se ameaçadas quando a sua população diminui consideravelmente, explica Roberto Reis, professor do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da Biodiversidade da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). As três principais categorias de ameaça de extinção são: vulnerável; em perigo; e criticamente em perigo. Dez espécies já foram extintas, segundo a Sema.

Além da lista estadual, há outra, em nível nacional, organizada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). São as chamadas listas vermelhas. Há duas situações em que os animais podem constar em uma e não na outra, conforme especialistas: a primeira é chamada de não classificável – uma espécie que ocorre ocasionalmente ou com pouca população. A outra é quando uma espécie está ameaçada em uma região, mas não nacionalmente, e vice-versa. Ou seja, elas não necessariamente coincidirão e não são comparáveis, pois, além de tudo, não são atualizadas simultaneamente.

A mão humana

É consenso entre os especialistas ouvidos pela reportagem de GZH que a rica biodiversidade gaúcha está, em grande parte, severamente afetada pelas ações humanas. (Confira no fim dessa reportagem a lista com algumas espécies em extinção). A principal causa que leva uma espécie a se tornar ameaçada de extinção são as modificações e a destruição de ambientes.

— A gente desmata, transforma a paisagem, tira a cobertura de vegetação natural e põe lavouras. E isso, para a maior parte das espécies, tanto animais como vegetais, é possivelmente a maior causa de ameaça — ressalta Reis.

— Os biomas são a casa dos bichos e dos organismos. Se não tem a casa deles, eles não vão ter onde se abrigar, onde se alimentar. Então, quando você destrói o ambiente, você tem um efeito cascata: vão os animais também, porque eles dependem desse ambiente — explica Leandro Bugoni, pesquisador de aves marinhas e professor da Universidade Federal do Rio Grande (Furg).

No Rio Grande do Sul, predominam dois grandes biomas: a Mata Atlântica e o Pampa. As duas regiões, entretanto, estão especialmente modificadas e descaracterizadas. A Mata Atlântica e as araucárias foram quase completamente retiradas há mais de um século — há cerca de 2% da cobertura original da mata de araucárias no Estado. Já o Pampa tem sido afetado pela agropecuária. De acordo com Reis, praticamente não existem mais áreas de campo nativo sem essa ação fora de parques.

Somados à região costeira, esses são os três principais conjuntos de ecossistemas e distribuição de fauna no Estado. Na costa, os litorais norte e médio estão extensivamente urbanizados. Há ainda algumas formações vegetais, como o Espinilho – com uma fauna específica –, também quase completamente devastado, à exceção do Parque Estadual do Espinilho. São muitos, portanto, os problemas de conservação, associados também a questões globais. Todos são influenciados pela ação humana, que inclui, ainda, a introdução de espécies exóticas e invasoras – como a piranha –, bem como a poluição e contaminação ambiental, inclusive por agrotóxicos. 

— O que não é influenciado pela ação humana não é um problema, ou seja, é natural. A extinção é um fenômeno natural, as espécies surgem, evoluem, transformam-se e se extinguem. Acontece que, pela ação humana, a velocidade de extinção foi multiplicada por cerca de mil — explica o professor da PUCRS.

Ao longo da história geológica, diversos eventos de extinção aconteceram por diferentes razões, como mudanças climáticas e meteoros, acrescenta Bugoni. Neste momento, a Terra está passando por outra extinção em massa, causada pelos humanos ao alterar o planeta a seu favor. O número de espécies extintas ou em extinção é muito grande, ele avalia – algumas, contudo, são mais propensas à extinção do que outras, como aquelas com baixas taxas de reprodução, muito exigentes de habitat ou endêmicas (restritas a uma determinada área).

Nesse cenário, ou os animais adaptam-se e tornam-se menos exigentes em relação ao seu habitat – o que pode levar centenas de anos –, ou desaparecerão. E, ainda que restem manchas de floresta, estas já estão alteradas e não são suficientes, avalia o docente da Furg. Seria necessário restaurar ambientes, pois somente ter animais em cativeiro não é o bastante para preservá-los. 

A importância da conservação

Cada espécie possui um papel no ecossistema – ainda que, muitas vezes, seja desconhecido –, podendo servir de predador ou presa de outros animais. Além disso, pode ter outras funções e utilidades para os seres humanos, servindo de fonte para medicamentos, materiais, alimentos e outros recursos necessários para a vida. As abelhas, por exemplo, são responsáveis por produzir grande parte dos alimentos vegetais por meio da polinização – sem elas, a humanidade não viveria, alerta Roberto Reis.

Os animais também são necessários para a qualidade ambiental, como a potabilidade da água. Quando um animal é extinto, esses papéis deixam de ser desempenhados – a população já não consegue mais cumpri-los ao entrar em declínio. Algumas espécies podiam servir, por exemplo, para controlar predadores. Assim, a manutenção da vida correta no planeta vai se tornando prejudicada e entra em desequilíbrio. Isso pode resultar, nas próximas décadas, em consequências graves e, por vezes, imprevisíveis, com desfechos que acabam por afetar os humanos – como pandemias, como a da covid-19, resultado da aproximação indevida de ambientes de animais silvestres. 

— Tenho uma visão bem pessimista sobre isso. Não vejo muita possibilidade de volta. E isso é especialmente por conta do crescimento da população humana — lamenta Reis. Tudo está interligado. Assim, o desmatamento resulta na destruição do ambiente das espécies, que entram em extinção, mas também acaba gerando consequências como o aquecimento global e as mudanças climáticas, que vão intensificar o processo de extinção.

— A gente tem uma responsabilidade cultural, moral, religiosa, econômica, de saúde, de tudo o que você possa imaginar. Eu não tenho o direito de decidir que espécies devem sobreviver ou não. As pessoas precisam refletir a respeito disso, parar um pouco com a visão de crescimento econômico absoluto, o humano sempre no centro de tudo, até porque a gente depende disso. Não é nem uma questão de achar legal, é uma questão de sobrevivência para a espécie humana — adverte Leandro Bugoni.

Grupos ameaçados 

Aves

Entre as aves, Bugoni destaca como mais ameaçados os albatrozes e petréis, fisgados pela pesca em alto-mar ao tentar comer as iscas. Já existem medidas mitigadoras no caso do primeiro, embora a situação do albatroz-de-tristão seja considerada crítica, assim como a do cardeal-amarelo, que habita o Pampa.

Ao mesmo tempo em que há dificuldades na luta pela conservação, ressalta que avanços e vitórias têm sido conquistados – uma espécie de albatroz foi removida da lista de ameaça, em função de ações globais, por exemplo. A criação de algumas unidades de conservação também tem contribuído e fornecido esperança de que é possível frear alguns cenários, ainda que não seja possível salvar a todos.

Invertebrados 

Entre os invertebrados, a conservação continua desafiadora, de acordo com Marco Gottschalk, professor e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Animal da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Apesar de serem a esmagadora maioria dos animais na Terra, grande parcela das espécies sequer é conhecida. Por esse motivo, a lista estadual inclui apenas aproximadamente 50 invertebrados – o que não significa que estejam menos ameaçados do que os vertebrados.A extinção é multifatorial, segundo o professor. O elevado grau de endemismo, somado à destruição de habitats, é apontado como a principal ameaça. Entre as mais ameaçadas, ele destaca as espécies de caranguejos-de-rio do gênero Aegla e algumas espécies de borboletas do gênero Pampasatyrus. 

— Esses exemplos indicam a necessidade urgente de aumentar os esforços de pesquisa e conservação voltados para os invertebrados, garantindo que essas espécies vitais para os ecossistemas recebam a atenção e a proteção necessárias — frisa.

Mamíferos

Quanto aos mamíferos, os pesquisadores apontam como principais ameaças a silvicultura (florestamento de pínus e eucalipto) no Pampa, o atropelamento em rodovias (com passagens para a fauna consolidando-se apenas recentemente), a perseguição e a caça, além de doenças como a febre-amarela em bugios. De acordo com Vanessa Fortes, bióloga e professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o cervo-do-pantanal é uma das espécies mais ameaçadas no Rio Grande do Sul, assim como o veado-campeiro. Além disso, o lobo-guará, a onça-pintada e a anta, hoje, ocorrem somente em áreas muito restritas.

— Teria de haver um olhar mais atento e ações mais incisivas voltadas à conservação. A onça-pintada e a anta só ocorrem na região Noroeste, no Parque Estadual do Turvo, onde estão protegidas. Mas, se as populações ficarem isoladas nesse local, e não houver uma integração com outras áreas e um esforço mais amplo de conservação, pode também não ser suficiente para assegurar a permanência delas no Estado — diz.

Vanessa defende a criação de novas áreas protegidas, bem como o cumprimento das legislações ambientais – já que a simples observação das áreas de proteção permanente e das reservas legais de propriedades rurais asseguraria mais habitat e seria benéfica para uma possível recuperação.  

Uma gama de espécies marinhas sofre também com capturas acidentais na pesca, como a toninha, espécie de golfinho mais ameaçada do Atlântico Sul Ocidental, afirma Maurício Tavares, biólogo do Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar/UFRGS), que monitora o Litoral Norte.

Répteis e anfíbios

Já os répteis e anfíbios vêm sendo prejudicados, entre outros fatores, pelo crescimento de loteamentos nas praias e pelas amplas áreas com plantações de pínus, eucalipto e soja, segundo a professora Laura Verrastro, do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A docente cita a lagartixa-de-dunas, a lagartixa-da-praia e o lagartinho-pintado como os mais ameaçados. Ela integra a equipe do plano de ação nacional para a conservação de anfíbios e répteis da região Sul, do ICMBio, que elabora metas para criar ações de preservação de regiões e animais.

A professora ressalta que o fato de a lista estadual estar desatualizada configura um problema, pois impossibilita planos de manejo ou exploração da terra em consonância com a preservação de determinadas áreas.

Peixes

Entre os peixes, o principal grupo ameaçado é o peixe-anual, que ocorre nas áreas de várzeas dos rios, onde há plantações de arroz, explica Roberto Reis, professor da PUCRS. Além disso, há muitos tubarões e raias ameaçados, por serem grupos particularmente vulneráveis, com fecundidade muito baixa, reproduzindo-se lentamente e enfrentando problemas relacionados à pesca e à comercialização. Um exemplo é o cação – que é um tipo de tubarão.

Fonte: GZH


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