Em 1971, um grupo de jovens se reuniu em Porto Alegre para dar início ao movimento que fez o 20 de Novembro se tornar um símbolo da luta e da resistência da população negra no Brasil. Na época, diferentes mobilizações surgiram na cidade e no país, abordando as vivências da população negra e exigindo direitos. Mesmo com toda a organização do período, 52 anos foi o tempo que levou para que um decreto oficial do governo brasileiro, assinado em 2023, fizesse desta quarta-feira (20) o primeiro Dia Nacional de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra como um feriado nacional.
O advogado e escritor Antônio Carlos Côrtes, um dos responsáveis pela idealização da data, percebe esse momento como um dos diversos avanços conquistados pelos negros no caminho de “um despertar” sobre o importante papel dessa população na história e formação do país. Em entrevista ao GZH e a DG, ele destacou que dentre os diferentes movimentos que levaram ao resgate dessa data, Côrtes foi um dos protagonistas. O advogado, na época estudante de direito, no início da década de 1970, encontrou um livro na Biblioteca Pública do Estado chamado O Quilombo dos Palmares. Nele, não se tinha a data de nascimento do líder negro Zumbi Dos Palmares, que lutou pela libertação de seu povo em um período dos séculos de escravidão no Brasil, mas havia o registro de sua morte, 20 de novembro de 1695.
HISTÓRIA
Ao lado de Vilmar Nunes, Ilmo da Silva, Jorge Antônio dos Santos, Luiz Paulo Assis Santos e Oliveira Silveira, Côrtes fundou o Grupo Palmares. Na época, Jorge e Luiz Paulo não foram incluídos na nominata que originou o grupo. Caso os demais companheiros fossem pegos pela ditadura, os dois poderiam seguir com o trabalho.
No Brasil, até então, apenas o 13 de maio, Dia da Abolição da Escravatura, existia como uma data de celebração. Mas esse grupo questionou tal homenagem, pontuando que a Lei Áurea, assinada em 1988 pela Princesa Isabel, não garantiu direitos amplos e políticas de igualdade que compensassem os 388 anos em que a população negra foi explorada no Brasil. Foi desse incômodo que veio o impulso para que o Grupo Palmares lançasse o 20 de novembro como a data símbolo da resistência negra.
Enquanto esses amigos se organizavam, outros movimentos semelhantes ocorriam na cidade. O historiador e quilombista Waldemar Moura Lima, o Mestre Pernambuco, explica que, nos anos 1970, houve uma organização popular dentro do Carnaval de Porto Alegre que também questionava o 13 de Maio:
— Fizemos uma atividade chamada "13 de Maio, não!", que ocorreu na escola de samba Garotos da Orgia, hoje chamada Acadêmicos da Orgia. Foi o primeiro movimento que eu, envolvido com o Carnaval, participei com esse entendimento mais politizado. Na sequência disso, veio (a proposta) do 20 de novembro.
Os anos 1970 também foram marcados por uma mobilização da população negra em nível nacional. Consultora da Organização dos Estados Ibero-Americanos, Iêda Leal explica que foi também no cenário de repressão da ditadura que surgiu o Movimento Negro Unificado (MNU), instituição que integra desde os anos 1980 e que coordenou entre 2017 e 2020. Ela comenta que a violência policial e a perseguição aos negros fizeram com que, inicialmente, grupos de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia se juntassem para fundar o MNU em 1978.
Nesse mesmo ano, uma nota no Jornal do Brasil foi lida por integrantes da recém-criada organização nacional. O trecho no periódico anunciava: "Negros universitários de Porto Alegre dizem não ao 13 maio da Princesa Isabel e sim ao 20 de novembro de Zumbi dos Palmares". O Movimento Negro Unificado abraçou a ideia lançada pelos jovens gaúchos anos antes e adotou a data.
— É essa possibilidade de as pessoas compreenderem a importância de se conhecer e respeitar a história do negro, combatendo o racismo a partir desse conhecimento. Por isso que o Dia da Consciência Negra, neste ano, tem um sabor novo. Não é um simples feriado, mas a memória de tudo que lutamos — pontua Iêda.
PRINCIPAIS ACONTECIMENTOS
O pioneiro Grupo Palmares fez um ato evocativo à resistência negra no dia 20 de novembro, no Clube Social Negro Marcílio Dias, na capital gaúcha. O evento valorizava o herói negro Zumbi, líder do estado negro Quilombo dos Palmares.
Em 7 de julho de 1978, mais de duas mil pessoas se reúnem em frente às escadarias do Theatro Municipal de São Paulo para o lançamento público do Movimento Negro Unificado (MNU).
Movimento negro pressiona o Congresso com a mensagem de que, para a constituição de fato ser cidadã, precisaria enxergar a população negra. Essa mobilização, aliada com as de outros setores da sociedade, garantiu trechos do texto que destacaram a igualdade de direitos. Iêda Leal, que integrou o grupo, afirma que esse foi o embrião de conquistas futuras.
Quando o país organiza celebrações para marcar a data, o movimento negro levanta a mensagem de que não havia celebração para se fazer. Protestos diziam que esses cem anos não deram conta de resolver os problemas criados pelos 388 anos de escravidão no país. O momento foi importante, diz Leal, para mais uma vez dizer que o Estado brasileiro tinha dívidas com a população negra.
Define como crime atos resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, mas deixa a injúria apenas no Código Penal. Enquanto o racismo é entendido como um crime contra a coletividade, a injúria é direcionada ao indivíduo.
Destacada por Antônio Carlos Côrtes, a marcha foi realizada em Brasília, em memória aos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares. O ato influenciou o debate sobre racismo no país e rompeu com o mito da democracia racial
Altera a Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira".
O 20 de novembro é oficializado como Dia Nacional de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra. Contudo, a data apenas seria considerada feriado em locais onde havia leis municipais ou estaduais com essa finalidade.
Determina que as instituições federais de educação superior reservem no mínimo 50% de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, garantindo, dentro desse percentual, vagas exclusivas para pretos, pardos, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência.
Lei converte injúria racial em crime de racismo; e todos os crimes previstos na Lei 7.716 passam a ter as penas aumentadas.
Lei sanciona o 20 de novembro, Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, como feriado nacional.
Fonte do texto: Reprodução do Diário Gaúcho (DG) - Emerson Santos / Agencia RBS